Tecnodependência nos dias atuais
- saudepsicofisica

 - 13 de set. de 2021
 - 3 min de leitura
 
Muito do que gostamos de fazer - comer, comprar, beber, jogar, sexo - contém um potencial para nos tornar dependentes. E a obviedade disso repousa no fato de que buscamos o nirvana perpétuo, o prazer inefável, inesgotável, imediato e sem sobressaltos que nos manterá pairando sobre a mundana mortalidade. Há, entretanto, uma impossibilidade prática que impede a esmagadora maioria das pessoas de alcançar essa epifania no mundo real. Em seu auxílio vem a internet, esse Olimpo virtual onde os quereres são acessíveis, as fantasias são realizáveis, os vícios satisfeitos, tudo servido na bandeja de prata da imortalidade, já que o login e senha funcionam como elementos ressuscitadores. A todo tempo, o tempo todo.
É um truísmo afirmar que a TI reconfigurou a forma como as pessoas lidam com os mundos, assim mesmo, no plural, já que essa revolução impulsionou o homem para outras esferas de “realidade”, turvando, inclusive, o próprio senso de realidade. Basta saber que o termo “realidade virtual” guarda o desejo de que o imagético seja mais do que mera imagem. Não é à toa, portanto, que a imersão em jogos, compras e sexo pela internet, sequestre por inteiro a agenda de vida do internauta, substituindo a vida pelo “desejo de vida”. Inundado por uma profusão de estímulos mal captados pelo cérebro, o indivíduo é soterrado por dados e fatos, fazendo-o quase perder a capacidade de interagir com algo que seja de carne e osso.
Explica-se. O Dr. Gary Small, professor de Psiquiatria da UCLA - Universidade da Califórnia em Los Angeles e coautor de "iBrain: Sobrevivendo à alteração tecnológica da mente moderna", afirma que as vias neurais envolvidas em quadros de dependência de substâncias são as mesmas encontradas em comportamentos compulsivos, inclusive, de tecnologia. “Diante do monitor, a frequência cardíaca diminui, os vasos sanguíneos do cérebro dilatam e o sangue flui para longe dos músculos principais”. O cérebro é recheado de dopamina, neurotransmissor responsável pelo prazer, a tal ponto que o internauta tolera muito bem barulho e desconforto, negligenciando autocuidados básicos como alimentação e higiene e mesmo sexo.
Pandemia:
Dados coletados pelo Laboratório Delete-Detox Digital e Uso Consciente de Tecnologias, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a partir de janeiro de 2020, mostram a ocorrência de mais de 21 mil registros de publicações relacionadas à dependência tecnológica, e, desse total, pouco mais de 12 mil trazem o termo “Covid-19” nos conteúdos. E, de fato, a pandemia aumentou o tempo de conexão dos usuários, constituindo-se numa fuga perfeita da realidade pandêmica, saturada de ansiedades, medos, frustrações, perdas e convivências forçadas. O computador passou a ser uma espécie de terapeuta, com a vantagem de devolver para o “paciente” somente o que este deseja “ouvir”. Sem autoquestionamentos, só sensações.
Entre estas, duas se destacam no menu de opções: sexo e jogos. Segundo o Drake Star Partners, banco americano de investimentos, a indústria de games movimentou só no primeiro semestre de 2021, US$ 60 bilhões, quase o dobro de todo o ano de 2020. A consultoria holandesa Newzoo aponta que até o final de 2023, as vendas de jogos no mundo devem alcançar US$ 200 bilhões, quase o PIB da Nova Zelândia. No Brasil, o setor cresceu em oito meses o esperado para cinco anos. São 2,2 bilhões de gamers no mundo, 94% homens entre 18 a 24 anos. Entende-se porque tanto a OMS como a Associação Americana de Psiquiatria já reconhecem o vício em e-games (Gaming disorder) como uma psicopatologia.
Já o sexo pode ser acessado de diversas formas. Há um portfólio completo entre câmeras prives, sites de sexo casual ou virtual e atividades sexuais explícitas para todos os gostos. A Netskope, empresa americana de software, garante que o acesso a sites eróticos aumentou 600% durante o lockdown. O “sexo digital” garante o anonimato, a voyeurização virtual e pobre prazer sexual. Com a superexposição, o sistema dopaminérgico se exaure e, como qualquer outra droga, o internauta precisará de mais tempo na frente do PC, valendo-se tão somente da visualização e da audição do ato do outro. Todos os demais sentidos são expelidos da experiência. O custo é a perda de interesse pelo parceiro já objetificado na tela do computador.
Maria Lúcia Pesce
Psicóloga Clínica




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